RDC nº 658/2022: O quê mudou?

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Ninguém esperava, mas a ANVISA publicou a nova RDC nº 658/2022 que dispõem sobre as Boas Práticas de Fabricação de Medicamentos. Em menos de 2 anos, o novo marco regulatório de BPF sofreu revisão e pegou o mercado farmacêutico de surpresa.

Com isso, as instruções normativas também passaram por revisão, e algumas orientações adicionais foram incluídas.

Para entender melhor as principais mudanças, vamos separar em tópicos alguns destaques relacionados aos Sistema da Qualidade Farmacêutico (SQF) e da IN nº 138/2022 (antiga IN nº 47/2019) sobre estudos de validação de qualificação, QUE SEPARAREMOS AQUI EM DOIS ARTIGOS DISTINTOS PARA FACILITAR O ENTENDIMENTO.

Principais mudanças e impactos da RDC nº 658/2022

Apesar de serem muitas as Instruções Normativas revogadas, neste artigo vamos focar apenas nas principais mudanças da RDC nº 658/2022. Como o texto ficará muito longo, deixaremos para discutir as alterações da IN nº 138/2022 em um outro post.

Então, vamos iniciar pelo Sistema de Qualidade Farmacêutico (SQF):

Gerenciamento de Riscos

Aqui não tivemos grandes impactos, incluindo o prazo para implantação. Sendo assim, a obrigatoriedade continua.

Ressaltando que o gerenciamento de riscos não é um conjunto de análise de riscos. E o conhecimentos aprofundado de todos os modos de falhas de um determinado assunto ou área em avaliação para identificação dos riscos visando a mitigação dos mesmos. Para mais informações leia o artigo Tudo sobre Gerenciamento de Riscos.

Assim como as ações inseridas no Gerenciamento de Risco (GRQ/QRM), devem ser tratados como um CAPA. Na publicação da RDC nº 658/2022 a ANVISA reforça este ponto:

Sistema de Ação Corretiva e Ação Preventiva (CAPA): processo de trabalho, no qual podem ser utilizadas diversas ferramentas, tanto de gestão da qualidade, quanto do gerenciamento de risco, que se aplica à identificação; à avaliação e à investigação de eventos (desvios, não conformidades, etc.) passados; à definição do plano de ação; à implementação das ações definidas no plano de ação e, por último, à verificação da efetividade das ações (corretivas e preventivas) implementadas, ou para cessar a causa raiz de eventos passados (desvios, não conformidades, etc.), evitando-se reincidências, ou para prevenir a ocorrência de eventos futuros (desvios, não conformidades, etc.); e se referindo a um componente do sistema da qualidade que, conduzido de maneira consistente e eficaz pela empresa, tem o poder de auxiliar na promoção da melhoria contínua do Sistema da Qualidade Farmacêutica.

Sendo assim, tanto os CAPAs relacionados aos desvios, de QRM, quanto as ações para implementação de mudança, devem ter a eficácia comprovada.

Entretanto, a reincidência de desvios demonstra que a ação proposta não foi eficaz. Isso acontece, muitas vezes, porque a causa raiz não foi devidamente determinada (falha na investigação).

Atualmente, não dá mais para alegar que uma empresa possui Boas Práticas de Fabricação se ela não possui um sistema funcional de Gestão dos Riscos.

Gerenciamento de Riscos de Compartilhamento de Área Produtiva

A elaboração dos relatórios de Limites de Exposição Baseados em Saúde – LEBS (PDE e ADE) são a base para este tipo de GRQ.

Isso porque 3 pontos devem ser avaliados para garantir o baixo risco no compartilhamento. São eles:

  • Contaminação cruzada
  • Exposição ocupacional
  • Contaminação ambiental

Sobre a contaminação cruzada, esta deve ser prevenida para todos os produtos por meio de um projeto adequado e da operação apropriada das instalações de fabricação, que contemplam toda a cadeia produtiva (do recebimento dos insumos à expedição do produto).

Lembrando que as medidas para prevenir a contaminação cruzada devem ser proporcionais aos riscos, e os princípios do Gerenciamento de Riscos da Qualidade devem ser utilizados para avaliar e controlar os riscos.

E como já discutimos no artigo Compartilhamento de área produtiva e o Gerenciamento de Riscos, dependendo do nível de risco, pode ser necessário dedicar instalações e equipamentos para operações de fabricação e/ou embalagem de forma a controlar o risco apresentado por alguns medicamentos.

Sendo assim, as instalações dedicadas, ou sistemas fechados de produção, são necessárias para fabricação, quando:

  • O risco não pode ser adequadamente controlado por medidas operacionais e/ou técnicas;
  • Os dados científicos da avaliação toxicológica não dão suporte a um risco controlável, como potencial alergênico de materiais altamente sensibilizantes, incluindo os beta-lactâmicos; e
  • Os limites de resíduos relevantes, derivados da avaliação toxicológica, não podem ser satisfatoriamente determinados por um método analítico validado.

Tendência de Ocorrência de Desvio e Determinação de Limites de Alerta e Ação

De acordo com o descrito acima, a Garantia da Qualidade deve atuar na prevenção dos desvios da qualidade monitoramento a tendência de ocorrência de desvios, portanto, definindo e avaliando os Limites de Alerta e Ação.

Todavia, o SQF deve focar na previsibilidade dos desvios propondo CAPAs, e não mais atuar após as não-conformidades serem detectadas. Isso é uma falha gravíssima do sistema da qualidade.

Sobre os Limites de Alerta e Ação:

Limite de ação: critério estabelecido, exigindo acompanhamento imediato e ação corretiva se excedido. Aqui ainda não temos um resultado fora da especificação, ainda, mas se nenhuma ação for tomada, em breve ocorrerá um desvio.

Limite de alerta: critérios estabelecidos que dão o alerta antecipado do desvio potencial de condições normais que não são necessariamente motivos para uma ação corretiva definitiva, mas que requerem ações de acompanhamento.

Importante destacar que o objetivo almejado a partir da publicação da RDC nº 658/2022 é a melhoria contínua dos processos e sistemas.

Mudanças prospectivas

Já discutimos um pouco desse assunto no artigo Controle de Mudanças prospectivo. Você conhece?

Isso porque as mudanças devem ser propostas quando for identificada uma tendência de ocorrência de desvios, ou mesmo para propor melhorias no processo ou na qualidade do produto.

Mudanças do tipo corretivas não serão mais bem vistas, e podem colocar em check o SQF, pois demonstram uma falha clara não só na gestão dos riscos, mas no monitoramento da tendência de ocorrência dos desvios.

Para tanto, devem ser implementados procedimentos para a avaliação prospectiva de mudanças planejadas e sua aprovação antes da implementação, levando-se em consideração as notificações e aprovações regulatórias, além do impacto documental e nos estudos de validação/qualificação, é claro.

Já as retrospectivas, ou seja, aquelas aplicadas depois até que a mudança já aconteceu, apenas com a finalidade de documentá-las, não serão mais aceitas.

Lembrando que após a implementação de qualquer mudança, uma avaliação deve ser realizada para confirmar que os objetivos de qualidade foram alcançados e que não houve impacto prejudicial não intencional na qualidade do produto.

Qualificação de Fornecedores e Autoinspeção

Obrigatoriamente, devem ser baseadas em riscos.

Com relação especificamente à qualificação dos fornecedores, a necessidade de auditoria in loco, ou mesmo a opção de avaliação apenas documental, deve ser feita com base na análise do risco de cada fornecedor e do tipo de insumo.

Revisão da qualidade do produto

Recentemente, publicamos aqui no Portal Farmacêuticas o artigo Relatório de RQP como ferramenta da qualidade, no qual explicamos sobre a necessidade de utilização desse tipo de documento na rotina para o monitoramento e melhoria contínua do SQF.

Importante destacar a necessidade de avaliação das tendências, e até mesmo da eficácia das ações anteriormente propostas, comparando o relatório do ano anterior com o documento do período em avaliação.

Documentação

Inicialmente, devem ser implementados controles adequados para garantir a precisão, integridade, disponibilidade e legibilidade dos documentos.

Porém, é possível ter documentos físicos e eletrônicos, desde que estes estejam devidamente validados.

Amostragem estatística

RAIZ DE N + 1 NÃO!!!

Sendo assim, planos de amostragem estatísticos devem ser elaborados cada cada tipo de insumo, para cada fornecedor, ou mesmo para cada etapa produtiva ou atividade (validação, qualificação ou investigação de desvios), totalmente baseado na avaliação do risco.

Contudo, o risco deve ser relacionado:

  • À saúde do paciente
  • Ao processo produtivo
  • Ao compliance – Regulatório
  • À qualidade do produto acabado

Portanto, não é mais possível padronizar um único plano de amostragem para diversos tipos de materiais. Os planos de amostragem estatísticos, obrigatoriamente, devem ser individuais e podem ser elaborados com base em Normas (ex: ABNT NBR 5426/85 e 5429/85) ou em ferramentas estatísticas apropriadas.

Controle Estatístico Multivariado de Processo

Indiscutivelmente, temos aqui um detalhe sutil, mas de grande impacto na RDC nº 658/2022.

Se antes já estava difícil com o CEP (Controle Estatístico de Processo) e o controle online, agora temos também o CEMP (Controle Estatístico Multivariado de Processo).

A partir de agora, não basta avaliar estatisticamente um ACQ de forma individual, a empresa (Produção, Validação e Qualidade) deve avaliar de forma conjunta todos os ACQs. Para tanto, deve ser utilizada uma única ferramenta da qualidade para todos os atributos críticos da qualidade relacionados ao processo produtivo.

Nesse sentido, temos um vídeo exclusivo em nosso Canal do Youtube Farmacêuticas ( https://www.youtube.com/channel/UCE9Zwm5VJ3K9VslakKtAYeQ ), no qual explicamos um pouco melhor sobre o assunto. Assista ao vídeo abaixo:

Prazos da RDC nº 658/2022

Para a decepção de muitos, apenas um único item teve o prazo prorrogado: Controle online.

Mas como os prazos ficaram após a publicação da Norma?

  • Conceito de ciclo de vida do medicamento – Quality by design – 7 de outubro de 2020
  • Ciclo de Vida: Abril/2020
  • Verificação continuada de processo – Fase 3: Outubro/2020
  • Gerenciamento de Risco: Abril/2020
  • Qualificação de fornecedores de matérias-primas: 7/10/2020
  • LEBS:
    • 30% – 7/10/2021
    • 60% – 7/10/2022
    • 100% – 7/10/2023
  • Controle online: Aquisição e qualificação – até 7/10/2024
    • ERU/URS: 7/10/2020
    • Qualificação de projeto: 7/04/2021
    • Aquisição/compra:  7/10/2021
    • QI e QO: 7/10/2023
    • QD e uso na rotina: 7/10/2024

Lista das Normas Revogadas e Vigentes

Download da RDC nº 658/2022

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Formada em 2000 em Farmácia industrial pela Faculdades de Ciências Farmacêuticas Oswaldo Cruz, começou a atuar na área farmacêutica em 1998 com projetos científicos e em farmácia de manipulação. Em 2001 iniciou sua carreia em indústria farmacêutica, atuando nas áreas de Controle de Qualidade, Garantia e Gestão de Sistemas da Qualidade, Qualificação e Validação. Com experiência de mais 20 anos no setor, trabalhando em indústrias farmacêuticas nacionais e multinacionais, hoje realiza consultorias e treinamentos para indústrias de medicamentos, indústrias de cosméticos e saneantes, distribuidoras e montadoras de equipamentos da área farmacêutica. Empresária, consultora, blogueira, fundadora do Portal Farmacêuticas e da consultoria que leva o mesmo nome, esposa e mãe de duas filhas, tem como nova missão a criação de um portal, Farmacêuticas, voltado exclusivamente para o mundo farmacêutico, com dicas de projetos, eventos, cursos e notícias.

3 COMENTÁRIOS

  1. Gostaria de saber se o Guia da Qualidade para Sistemas de Tratamento de Ar e Monitoramento do Ar na Indústria Farmacéutica foi obsoletado. Se sim onde encontro essa publicação? Diário Oficial?

    • Oi, Martín! O Guia foi obsoletado. Agora temos a Instrução Normativa nº 35/2019 vigente: Dispõe sobre as Boas Práticas de Fabricação complementares a Medicamentos Estéreis. A obsoletagem do guia consta no ofício nº 19/2020 da ANVISA.

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