Relatório de RQP como ferramenta da qualidade

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Antes de mais nada, o relatório de RQP (revisão da qualidade de produto), é um documento obrigatório que avalia anualmente os dados compilados de um medicamento quanto às tendências de seu processo produtivo. Neste sentido, trata-se de uma ferramenta que pode apoiar um ambiente de melhoria contínua.

Para tanto, os RQPs são projetados com o objetivo de identificar e implementar recomendações para as melhorias necessárias.

A elaboração desse tipo de documento não é um assunto novo, mas a devida aplicação das informações contidas nesse documento teve uma nova abordagem após a publicação da atualização da Norma de Boas Práticas de Fabricação para indústria farmacêutica.

Inicialmente denominado de relatório de RPP (Revisão Periódica de Produto), o referido documento passou a ter um destaque fundamental na busca pela melhoria contínua e do estado de controle dos processos produtivos.

Objetivos dos Relatórios de RQP

Todavia, para entender melhor o uso dos relatórios de revisão da qualidade de produto como ferramenta da qualidade, é importante compreender os objetivos almejados com a elaboração desse documento.

Sendo assim, os objetivos de um RQP são:

  • Verificar a robustez do processo de fabricação existente
  • Verificar a adequação das especificações para os materiais de partida e produtos acabados
  • Destacar quaisquer tendências de qualidade adversas
  • Identificar melhorias de produto e processo
  • Reduzir o risco de resultados fora de especificação
  • Minimizar o risco de reprocesso
  • Aumentar a produtividade
  • Reduzir o risco de recolhimentos
  • Identificar pontos de controles e limites (superiores e inferiores de processo, de alerta e de ação nas cartas de controle) para a Fase 3 da Validação (VCP/CPV)
  • Confirmar o status de validado do processo
  • Melhorar a comunicação entre diferentes áreas envolvidas com as atividades de fabricação, como produção, qualidade e assuntos regulatórios.

Mas afinal, como podemos utilizar os relatórios de RQPs na rotina?

Uso do Relatório de RQP como ferramenta da qualidade

Entretanto, o ponto de discussão desse artigo é que, infelizmente, muitas empresas farmacêuticas tratam este tipo de relatório como mais um documento a ser elaborado para exigência de um requisito normativo da ANVISA. Então, os profissionais elaboram documento apenas para cumprimento da Norma, mas não o utiliza da forma correta.

Em síntese, isso quer dizer que há um grande desperdício de tempo e trabalho.

Sendo assim, vamos discutir um pouco sobre o uso do relatório de RQP como ferramenta da qualidade.

Avaliação da necessidade de mudanças em processo produtivo

O RQP deve ser percebido como um retrato do processo produto. Em outras palavras, que vai refletir sua qualidade e por meio da variabilidade controlada. Processos capazes (Cp e CpK; Pp e Ppk ≥ 1,33) possuem variabilidade controlada, ou seja, demonstram um estado de controle estatístico. Da mesma forma, representa que o processo não apresenta tendência de ocorrência de desvio. Neste caso, pelo fato de não saírem fora da especificação.

Primeiramente, Cp e Cpk são índices que demonstram se os processos geram produtos dentro de uma faixa de especificação, e assim indicam se a produtividade, e por sua vez a qualidade, está o suficientemente aceitável. Já os índices de performance (Pp e Ppk), avaliam a dispersão do processo quanto à especificação, além de demonstrar a capacidade global com base na variação em seu processo, mas não em sua localização, em termos de especificação.

Por outro lado, quando se verifica que o processo encontra-se sob controle estatístico, pode-se medir quanto esse processo consegue gerar produtos que atendam às especificações.

Portanto, quando as causas especiais de variação são eliminadas de um processo com distribuição normal relativo à característica de qualidade em estudo. Da mesma forma, diz-se que o processo está sob controle estatístico ou que se trata de um processo estável. Porém, mesmo um processo sob controle estatístico produz itens defeituosos (com desvios da qualidade). Logo, não é suficiente colocar e manter um processo sob controle; é fundamental avaliar se o processo é capaz de atender às especificações estabelecidas. Sendo assim, esta avaliação constitui a análise da capacidade do processo, que é medida através da relação entre a variabilidade natural do processo em relação à variabilidade que é permitida a esse processo, dada pelos limites de especificação.

Dessa forma, para avaliar a capacidade e performance, é necessário medir e identificar as diferentes fontes de variabilidade do processo. Ou seja, é necessário que o processo esteja sob controle estatístico de processo. Entretanto, os conceitos de estatística deverão ser utilizados para separar os efeitos da variabilidade das chamadas “Causas Comuns” (inerentes ao processo) das “Causas Especiais” (derivadas de variáveis específicas e controláveis).

Sendo assim, por meio dos índices de capacidade do processo e performance obtidos através dos relatórios de RQP é possível identificar se os processos necessitam de ajustes quanto às fontes de variabilidade.

Fonte de variabilidade segundo o Diagrama de Ishikawa (6M)

  • Materiais – Formulação: reavaliação da composição, ou seja, dos excipientes utilizados, caso este estejam impactando de forma negativa no processo.
  • Materiais – Materiais de partida: reavaliação dos atributos críticos dos materiais (ACM).
  • Máquinas – Parâmetro crítico do processo (PCP): o tempo de uso de um equipamento pode gerar desgaste e com isso, pode haver a necessidade de reavaliação dos PCPs previamente definidos.
  • Máquina x MateriaisReavaliação do espaço desenho (DOE): PCP x ACQ.
  • Mão-de-obra: Realização de treinamentos e autoinspeção para verificar se os colaboradores podem estar impactando negativamente no processo.
  • Método – Ordem de Produção: Reavaliação das etapas produtivas descritas na OP.
  • Meio ambiente: Influência negativa da temperatura, umidade e luz, por exemplo, na qualidade do produto.
  • Medidas – Especificação: Reavaliação da necessidade de alteração da especificação. Entretanto, desde que devidamente justificada e cientificamente comprovada.

Então, se um processo requer alterações para voltar ao estado de controle, ele precisa retornar à fase 1 da validação (início do ciclo de vida do medicamento), para ser submetido aos ajustes necessários pela equipe de desenvolvimento farmacotécnico.

Obviamente, este processo deve ser feito por meio da sistemática de controle de mudanças.

Avaliação do status de validado de um processo

Indiscutivelmente, aqui temos um assunto polêmico, pois se o processo não é capaz, ele automaticamente perde o STATUS DE VALIDADO.

Porém, se estamos avaliando a reprodutibilidade dos resultados por meio dos estudos de validação (Fase 2), certamente que a incapacidade de processo não vai conseguir reproduzir na rotina processos os mesmos resultados.

Sendo assim, processos incapazes não são conseguem garantir a reprodutibilidade dos resultados, devido à alta variabilidade, além de possuírem tendência de saírem fora da especificação.

Portanto, perdem o status de validado.

RQP e a verificação continuada do processo (CPV) – Fase 3 da validação

Seja como for, produtos legados, ou seja, que possuem anos de produção comercial, podem conseguir ter um processo enfim controlado quando se analisam as revisões da qualidade de produtos. 

E diante dos pontos discutidos nos itens anteriores, somente processos capazes, claramente controlados do ponto de vista estatístico, podem ser submetidos à fase 3 da validação.

Além disso, caso o relatório de RQP de produtos legados demonstre que o processo possui variabilidade controlada, ou seja, que são capazes, é possível selecioná-los para a fase 3 da validação.

Contudo, o relatório de RQP (Revisão da Qualidade de Produto) definitivamente pode ajudar a classificar os produtos os produtos legados, segundo à classificação da ANVISA.

Classificação dos legados segundo os resultados obtidos nos relatórios de RQP (A, B ou C):

  • A – O produto legado está bem controlado e seu desempenho comercial está dentro do controle. Definitivamente, pode seguir para a Fase 3.
  • B – O produto legado não aparenta estar dentro de controle – a análise estatística infere que o processo não está controlado. Seja como for, requer uma ação de melhoria antes de seguir para a Fase 3.
  • C –  O produto legado não está dentro de controle – os dados históricos apontam desvios, reclamações confirmadas, com origem (causa raiz) relacionada ao processo produtivo. Em outras palavras, deve retornar à Fase 1 da validação.

Portanto, caso a Fase 3 de produtos de classificação A esteja concluída, ações adicionais não são requeridas, apenas o RQP no ano seguinte é suficiente. Afinal, são produtos em estado de controle estatístico.

Qualidade assegurada de um produto

Por fim, podemos afirmar que o relatório de RQP demonstra claramente que os produtos possuem qualidade, segurança e eficácia.

Além disso, o RQP funciona como ferramenta de comunicação, que resume o estado atual de cada produto e evidencia qualquer ponto que necessite correção. E com isso, fornecendo para a gerência da empresa uma visão dos dados relevantes de forma condensada.

Logo, trata-se da visão global da qualidade do produto de forma inquestionável.

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Referências

  • RDC nº 301/2019 – Boas Práticas de Fabricação de Medicamentos – ANVISA.
  • IN nº 47/2019 – Estudos de Qualificação e Validação – ANVISA.
  • TGA.  Product Quality Reviews (PQRs) for listed and complementary medicines. Technical guidance on the interpretation of the PIC/S Guide to GMP. Version 2.0, January 2019.
  • PIC/s – Pharmaceutical Inspection Co-operation Scheme – 2018.
  • PDA Annual Meeting Post-Conference Workshop, “The FDA’s Process Validation Guidance: Meeting Compliance Expectations and Practical Implementation Strategies”.
  • ICH, Q10 Pharmaceutical Quality System (2008).
  • FDA, Guidance for Industry: Quality Systems Approach to Pharmaceutical CGMP Regulations (Rockville, MD, September 2006).
  • WHO (World Health Organization – 2011 – Annex 4 – General guidance on hold-time studies – 2014.
  • ICH HARMONISED GUIDELINE GUIDELINE: PHARMACEUTICAL DEVELOPMENTQ8 (R2) – August 2009 v.4.
  • ICH HARMONISED GUIDELINE GUIDELINE: BRACKETING AND MATRIXING DESIGNS FOR STABILITY TESTING OF NEW DRUG SUBSTANCES AND PRODUCTS Q1D – February 2002.
  • Process Validation: General Principles and Practices (FDA – 2011).
  • Process Validation Lifecycle Approach: A Return to Science (PDA & ISPE Joint New England Chapter Process Validation Event Sep 16, 2015).
  • FDA Lifecycle Approach to Process Validation— What, Why, and How? (PQ Forum. Paul L. Pluta).
  • Technical Report no 60 – Process Validation – Lifecycle Approach (PDA).
  • Estatística Aplicada e Probabilidade Para Engenheiros , Montgomery,Douglas C.,Runger,George C. 6ª Ed. 2016.
  • Health Products and Food Branch Inspectorate – Good Manufacturing Practices (GMP) Guidelines – 2009 Edition, Version 2 GUI-0001 – Canada.
  • WHO – Annex 4 – General guidance on hold-time studies – 2014.
  • EMA – Guideline on manufacture of the finished dosage form – 2015.
  • FDA – Guidance for Industry Drug Substance Chemistry, Manufacturing, and Controls Information .

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