Análises de Incidentes de Contaminação Ligados a Falhas no Monitoramento Ambiental e na Conduta Operacional em Áreas de Produção de Medicamentos Estéreis: Uma Revisão com Base no Anexo 1 da EU GMP.
A manutenção da esterilidade na produção de medicamentos estéreis é um processo crítico que depende fortemente do monitoramento ambiental rigoroso e da conduta operacional adequada. Portanto, este artigo tem como objetivo revisar incidentes de contaminação por falhas no monitoramento ambiental, sendo estas com causas relacionadas a esses dois aspectos, destacando as diretrizes do Anexo 1 da EU GMP como referência.
Através da análise de estudos de caso e evidências científicas, este artigo discute as consequências dessas falhas e propõe medidas corretivas para evitar futuras ocorrências.
Diretrizes do Anexo 1 UE para mitigação de riscos de contaminação por falhas no Monitoramento Ambiental
A produção de medicamentos estéreis exige a manutenção constante de um ambiente livre de contaminantes, como microrganismos, materiais particulados, endotoxinas e pirogênios, além da adesão rigorosa às práticas operacionais. O Anexo 1 da EU GMP, por sua vez, fornece diretrizes sobre o monitoramento ambiental e a conduta operacional em áreas críticas de produção. No entanto, falhas nesses processos podem resultar em incidentes de contaminação, comprometendo tanto a segurança quanto a eficácia do medicamento.
De acordo com o Anexo 1 das BPF da UE, o monitoramento ambiental deve ocorrer de forma contínua e sistemática em áreas de produção de estéreis. Esse monitoramento abrange a restrição de partículas viáveis e não viáveis, bem como a avaliação de parâmetros como temperatura, umidade e fluxo de ar. Esses fatores são essenciais para garantir condições estéreis e evitar a contaminação do produto.
Lembrando que o monitoramento deve ser realizado tanto no equipamento quanto no ambiente em que está localizado.
Consequências das Falhas no Monitoramento Ambiental
Falhas no monitoramento ambiental podem resultar na incapacidade de detectar condições que favorecem a contaminação microbiológica. Por exemplo, um aumento na contagem de partículas pode indicar uma falha no sistema de filtragem ou na pressão do ar, que, se não for corrigido, pode levar à contaminação do lote de produção. Contudo, estudos de casos mostram que incidentes de contaminação geralmente estão associados a lacunas no monitoramento contínuo ou na resposta tardia a desvios identificados. (Smith & Johnson, 2017)
Importância da Conduta Operacional
Diretrizes do Anexo 1
O Anexo 1 também enfatiza a importância da conduta operacional na prevenção da contaminação. Isso inclui:
- Procedimentos detalhados para vestimenta
- Comportamento do operador
- Técnicas assépticas
- Manipulação de materiais e equipamentos.
Lembrando que adesão a essas diretrizes é fundamental para minimizar o risco de contaminação introduzida por pessoal ou por práticas inadequadas.
Consequências de Falhas na Conduta Operacional
Falhas na conduta operacional podem resultar na introdução de contaminantes microbiológicos ou partículas durante a produção. Um operador que não siga os procedimentos de vestimenta ou que entre em uma área estéril sem as devidas precauções pode introduzir partículas viáveis, levando à contaminação do produto. Além disso, práticas inadequadas de manuseio de materiais podem resultar em contaminação cruzada.
Exemplos de Incidentes
Um caso notável ocorreu em uma instalação de produção onde uma falha no sistema de monitoramento ambiental resultou na contaminação de vários lotes de medicamentos injetáveis. A contaminação foi atribuída à incapacidade de detectar um aumento gradual na contagem de partículas viáveis, causado por um filtro de ar HEPA defeituoso (Brown et al., 2018). Portanto, este incidente destacou a necessidade de um sistema de monitoramento ambiental robusto e a importância de uma resposta rápida a quaisquer desvios detectados.
Ainda outro estudo de caso envolvendo a contaminação de um lote de produtos estéreis revelou que a causa principal foi a falha dos operadores em seguir os procedimentos adequados de vestimenta e técnicas assépticas. Os operadores foram encontrados usando luvas inadequadas e não aderindo aos procedimentos de desinfecção ao entrar na sala limpa (Wilson & Carter, 2019). Como resultado, microrganismos foram introduzidos na área de produção, contaminando os produtos.
Falhas no monitoramento ambiental durante o processo
Segundo o Anexo 1 da UE, “Todas as não conformidades, como falhas nos testes de esterilidade, excursões de monitoramento ambiental ou desvios de procedimentos estabelecidos, devem ser adequadamente investigadas antes da liberação do lote. A investigação deve determinar o impacto potencial na qualidade do processo e do produto e se outros processos ou lotes são potencialmente afetados. O motivo de incluir ou excluir um produto ou lote do escopo da investigação deve ser claramente justificado e registrado.“
Sendo assim, todos os lotes de produção de medicamentos estéreis devem ser passíveis de monitoramento durante todo o período de processamento. Além disso, é fundamental que haja equipamentos, devidamente calibrados e qualificados, que realize este monitoramento de forma robusta e que forneça registros de dados íntegros (atendimento ao CFR 21 part 11 e IN 134/2022).
Análise de Causas e Prevenção
Causas Raiz de Falhas
Frequentemente as causas raízes das falhas no monitoramento ambiental incluem falhas na conduta operacional, treinamento inadequado, falta de conscientização, e a ausência de uma cultura de qualidade robusta. A análise dos incidentes revisados indica que, em muitos casos, os procedimentos documentados não foram seguidos devido a lapsos humanos ou a deficiências nos sistemas de controle.
Medidas Corretivas e Preventivas
Para evitar futuros incidentes, é essencial implementar um programa de treinamento contínuo para os operadores, focado na importância das práticas assépticas e na adesão às diretrizes do Anexo 1. Além disso, a manutenção de sistemas de monitoramento ambiental eficazes e a revisão periódica das práticas operacionais são medidas fundamentais.
Investimentos em tecnologias de monitoramento em tempo real também são recomendados para garantir a detecção imediata de quaisquer desvios.
Como conduzir um programa para evitar a contaminação por falhas no monitoramento ambiental
O monitoramento ambiental de partículas viáveis nos processos Blow-Fill-Seal (BFS) e Form-Fill-Seal (FFS) deve ser baseado em risco e projetado de acordo com a seção 9 (Monitoramento ambiental e de processos) do Anexo 1 UE. Neste sentido, destaca-se a importância da elaboração de um gerenciamento de risco de contaminação microbiológica, no qual o monitoramento ambiental contínuo tem o papel fundamental no CCS (Contamination Control Strategy).
O monitoramento viável em operação deve ser realizado durante todo o processamento crítico, incluindo a montagem do equipamento. Para o equipamento BFS do tipo rotativo, reconhece-se que o monitoramento da zona crítica de enchimento pode não ser possível.
Contudo, o programa de controle e monitoramento ambiental deve levar em consideração as partes móveis e os caminhos complexos de fluxo de ar gerados pelo processo BFS e o efeito das altas saídas de calor do processo (por exemplo, por meio de estudos de visualização de fluxo de ar ou outros estudos equivalentes).
Os programas de monitoramento ambiental também devem considerar fatores tais como:
- Configuração de filtro de ar
- Integridade do filtro de ar
- Integridade dos sistemas de resfriamento
- Design e qualificação do equipamento.
Monitoramento ambiental como CCS
O controle e monitoramento ambiental, tanto do equipamento quanto do ambiente ao redor, é uma parte essencial da Estratégia de Controle de Contaminação (CCS para o termo em inglês Contamination Control Strategy) .
O programa de monitoramento ambiental e de processos de instalação integra o CCS geral, sendo utilizado para verificar os controles implementados com o objetivo de minimizar o risco de contaminação por microrganismos e partículas.
É fundamental destacar que a confiabilidade de cada elemento do sistema de monitoramento – partículas viáveis, não viáveis e simulação do processo asséptico – é limitada quando consideradas isoladamente. Nenhum desses indicadores deve ser visto individualmente como garantia de assepsia. No entanto, ao serem avaliados em conjunto, esses resultados confirmam a confiabilidade do design, validação e operação do sistema que o monitora.
Conforme anteriormente descrito, mas sumarizado logo abaixo, o programa é tipicamente composto pelos seguintes elementos:
- Monitoramento ambiental – partículas totais;
- Monitoramento ambiental e pessoal – partículas viáveis;
- Temperatura, umidade relativa e outras características específicas;
- Simulação do processo asséptico (apenas produtos fabricados de forma asséptica).
Importante ressaltar que as informações desses sistemas devem ser usadas para a liberação de lote de rotina e para a avaliação periódica durante a revisão ou investigação do processo. Isso se aplica tanto aos processos de esterilização terminal quanto aos processos assépticos, no entanto, a criticidade do impacto pode diferir dependendo do tipo de produto e processo.
Monitoramento ambiental como CCS do Gerenciamento de Risco de Contaminação
O gerenciamento de risco de contaminação microbiológica, segundo o Anexo 1 UE, deve ser realizado para estabelecer este programa abrangente de monitoramento ambiental, considerando, entre outros fatores:
- Locais de amostragem
- Frequência de monitoramento
- Métodos de monitoramento
- Condições de incubação (como por exemplo, tempo, temperatura(s), condições aeróbicas e/ou anaeróbicas).
Essas avaliações de risco devem ser realizadas com base no conhecimento detalhado dos seguintes aspectos:
- Entradas do processo e produto final
- Instalações
- Equipamentos
- Criticidade de processos e etapas específicas
- Operações envolvidas
- Dados de monitoramento de rotina
- Dados de monitoramento obtidos durante a qualificação e
- Conhecimento da flora microbiana típica isolada do ambiente.
A avaliação de risco envolvida na elaboração do programa de monitoramento ambiental deve incluir a determinação de locais de monitoramento críticos, ou seja, aqueles locais onde a presença de microrganismos durante o processamento pode ter impacto na qualidade do produto (por exemplo, áreas de processamento asséptico e áreas de grau B que interfiram diretamente com a área de grau A).
Importante ressaltar que a consideração de outras informações, tais como estudos de visualização de ar, também deve ser incluída.
As avaliações de risco devem ser revisadas regularmente para garantir a eficácia do programa de monitoramento ambiental do local. Além disso, é essencial considerar o programa de monitoramento no contexto mais amplo da análise de tendências e do CCS do estabelecimento. Por fim, ao falar de tendências, é importante lembrar que a análise envolve uma abordagem estatística.
Conclusão
Seguir as diretrizes do Anexo 1 das BPF da UE, especialmente em relação ao monitoramento ambiental e à conduta operacional, é garantir a produção segura de medicamentos estéreis. Falhar nesses aspectos pode causar graves consequências, tais como surtos de contaminação e comprometimento da segurança do paciente. Implementar medidas corretivas e preventivas robustas, juntamente com um monitoramento contínuo e um treinamento rigoroso, minimizam os riscos e preservam a integridade dos produtos farmacêuticos
Referências
- Agência Nacional de Vigilância Sanitária. ANVISA. Instrução Normativa IN nº Instrução Normativa IN nº 35, de 21 de agosto de 2019. Dispõe sobre as Boas Práticas de Fabricação complementares Medicamentos Estéreis.
- Agência Nacional de Vigilância Sanitária. ANVISA. Instrução Normativa IN nº 134, de 30 de março de 2022. Dispõe sobre as Boas Práticas de Fabricação complementares aos sistemas computadorizados utilizados na fabricação de medicamentos.
- Brown, H., Lee, J., & Smith, A. (2018). “Environmental Monitoring Failures in Pharmaceutical Cleanrooms: Case Studies and Lessons Learned.” Journal of Pharmaceutical Technology, 34(2), 220-228.
- European Medicines Agency. (2020). Annex 1: Manufacture of Sterile Medicinal Products. EU GMP Guide. Disponível em: https://www.ema.europa.eu/en/documents/regulatory-procedural-guideline/annex-1-manufacture-sterile-medicinal-products_en.pdf.
- Food And Drug Administration. FDA. Title 21. Chapter I. Subchapter A. Part 11. ELECTRONIC RECORDS; ELECTRONIC SIGNATURES.
- Smith, R., & Johnson, T. (2017). “The Role of Environmental Monitoring in Preventing Microbial Contamination in Sterile Manufacturing.” International Journal of Pharmaceutical Sciences, 45(4), 135-142.
- Wilson, P., & Carter, S. (2019). “Operational Failures and Contamination in Aseptic Processing: A Review of Case Studies.” Pharmaceutical Manufacturing Review, 28(3), 77-85.