Validação de lotes em campanha. Você sabe fazer?

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Um dos meus estudos de validação preferidos é o de validação de lotes em campanha. É algo ainda muito incompreendido, desafiador, pouco executado, principalmente da forma correta, mas que se bem feito torna-se uma ferramenta e tanto para otimizar a produção de medicamentos e cosméticos.

Muitos profissionais e empresas me procuram porque são cobrados durante inspeções de Órgãos Sanitários reguladores, mas não dispõem de informações técnicas para conduzir de forma correta o estudo.

Neste sentido, artigos científicos são raros, e mesmo os Órgãos fiscalizadores cobram, mas não fornecem material técnico e muito menos sabem informar como as empresas devem conduzir a validação de lotes em campanha. Então, implantar este tipo de validação, sem suporte, é algo realmente complicado!

Diante disso, trouxe algumas explicações e orientações que vão lhe ajudar na condução correta da validação de lotes em campanha:

Entenda o que é validação de lotes em campanha

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O primeiro passo é entender o que é e depois para que serve.

A validação de lotes em campanha é um estudo NECESSÁRIO para definir qual a quantidade máxima de lotes produzidos em campanha (batelada), sem a necessidade de realização de uma limpeza completa dos equipamentos produtivos envolvidos no processo entre a produção de um lote e outro.

Não importa qual o tipo de produto (medicamento, cosméticos, insumo farmacêutico ativo, etc) a questão é que se não validar a quantidade, simplesmente a sua empresa não pode assegurar a qualidade dos lotes produzidos em campanha. Simples assim.

Aonde está escrito isso? Nas RDCs!

Não acredita?

Vamos lá:

RDC nº 48/13 – BPF de Cosméticos: 

Art. 17.19.12. Deve ser efetuada a limpeza dos equipamentos após cada produto fabricado. A elaboração sequencial de diversos lotes de um mesmo produto sem a limpeza dos equipamentos (produção em campanha) somente poderá ser realizada de acordo com procedimento descrito que determine os controles em processo lote a lote e o número máximo de lotes sequenciais permitidos.

RDC nº 658/22 – BPF de Medicamentos: 

Parágrafo único. As medidas técnicas e organizacionais citadas no caput podem incluir, mas não se limitam, aos seguintes:

II – medidas organizacionais:

a) dedicação de toda a instalação de produção ou o uso de uma área de produção autocontida em campanha organizada por tempo, seguida por um processo de limpeza de eficácia validada;

c) a verificação de limpeza após cada campanha de produto deve ser considerada como uma ferramenta de detecção para apoiar a eficácia da abordagem de Gerenciamento de Risco da Qualidade para produtos considerados de maior risco;

IN 138/22  – Qualificação e Validação

Art. 111. Quando a fabricação da campanha é realizada, o impacto na facilidade da limpeza ao final da campanha deve ser considerado e a duração máxima da campanha (em tempo e número de lotes) deve ser a base para os exercícios de validação da limpeza.

Art. 112. Quando uma abordagem de pior caso for utilizada como modelo para a validação de limpeza, é necessário que se disponibilize uma justificativa técnica para a seleção do produto de maior criticidade e o impacto de novos produtos na linha avaliada.

RDC nº 654/22 – BPF de IFA: 

Seção V

Controle de contaminação

Art. 186° Quando forem fabricados lotes de um mesmo produto em sistema contínuo ou campanha, devem ser estabelecidos critérios de controle para determinar a periodicidade da limpeza dos equipamentos de forma que os materiais residuais passíveis de serem carregados para lotes sucessivos não alterem a qualidade do produto.

Parágrafo único. O processo mencionado no caput deste artigo deve ser validado.

Art. 248. No caso de produção de lotes de um mesmo produto, em produção por campanha, em equipamento dedicado ou de uso contínuo, os critérios para estabelecer os intervalos e métodos de limpeza devem ser definidos na validação de limpeza.

Art. 329. Nas áreas utilizadas para a produção de produtos em campanha, as instalações e a disposição dos equipamentos devem permitir limpeza e sanitização rigorosas após a produção, e, quando necessário, a descontaminação eficaz através de esterilização e/ou fumigação.

Enfim, as recomendações da Anvisa estão nas Normas, então tem que validar. Não tem jeito.

E para que serve?

campanha-3

Para garantir que os produtos fabricados em campanha (lote a lote) possuam qualidade comprovada e os produtos sejam seguros, evitando a contaminação cruzada e microbiana, e principalmente, não afetando a saúde do consumidor/paciente.

Isso mesmo que não haja limpeza dos equipamentos entre um lote e outro.

Certo?

Então vamos ver o que o pessoal tem feito por aí:

Principais erros cometidos na validação de lotes em campanha

Antes de te contar como fazer o estudo vale ressaltar os erros mais comuns cometidos pelas empresas:

1. Definir o pior caso exatamente como da validação de limpeza tradicional

A maioria das empresas define o pior caso apenas analisando os mesmos parâmetros (toxicidade (valor de PDE + efeito crítico), solubilidade em água, dosagem, etc) da validação de limpeza tradicional. Mas isso não é o suficiente!

Outros parâmetros devem ser avaliados além do que tradicionalmente é feito. Pois se assim fosse, você poderia ter um pior caso por equipamento, podendo, ter mais de um produto crítico de acordo com o equipamento envolvido na campanha.

Mas ao validar a campanha de um processo que pode ter até 7 equipamentos, sendo que cada um deles você tem um pior caso diferente, como resolveria esta questão?

Isso nos leva ao erro nº 2:

2. Pior caso por equipamento

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Você precisa ter um produto mais crítico que represente sua área produtiva para conseguir validar a campanha, e por isso não pode avaliar o equipamento mais crítico e extrapolar os resultados.

Pense como um todo, e não de forma individual.

Sendo assim, a melhor estratégia para o estudo de campanha é determinar mais de um pior caso e validar por rota.

Ficaria mais ou menos assim:

  • Pior caso – valida todos os equipamentos da rota em um único protocolo
  • Se nessa área produtiva ainda há equipamentos que não fazem parte da rota do pior caso, verifique quais seriam os piores casos e agrupe no protocolo os equipamentos que possuem este produto como worst case.
  • No final, se sobrarem equipamentos que não puderam ser agrupados na rota, proceda a campanha de forma individual.

3. Não considerar o tempo entre os lotes

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Este é outro erro comum. Você deve validar o tempo de parada entre um lote e outro (em horas ou dias). Isso deve constar no relatório final.

PS: A ANVISA cobra isso…

4. Amostragem apenas no final

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Muitas empresas amostram somente no final do processo de campanha sem se importar com a avaliação necessária em cada lote.

E se não der certo? E se as amostras no final derem resultado micro acima da especificação?

E se aparecer produto de degradação no meio da sua produção em campanha?

Acontece, viu?!?

Acredite, já aconteceu comigo. Mas como tinha feito amostragem lote a lote, conseguir garantir ao menos 7 lotes em campanha sem perder todo o estudo. ; )

Agora que já sabe o que não deve ser feito, vamos ver como conduzir corretamente o estudo:

7 Passos para conduzir o estudo de Validação de Lotes em Campanha

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1º Escolha do pior caso

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Para escolher o pior caso, avalie 100% dos produtos, de seus ativos, de uma determinada área produtiva quanto a:

  • Solubilidade em água
  • Toxicidade (PDE + efeito crítico)
  • Dificuldade de limpeza geral, e não por equipamento

Até aqui tudo bem, agora que começa a diferença:

  • PRESENÇA DE PRODUTO DE DEGRAÇÃO, SE APLICÁVEL
  • SUSCETIBILIDADE AO CRESCIMENTO MICROBIANO
  • PRODUTO HIGROSCÓPICO
  • HISTÓRICO DE PRODUÇÃO EM CAMPANHA
  • ROTA PRODUTIVA COM ETAPA DE AQUECIMENTO

Todos estes critérios devem ser avaliados e devidamente pontuados segundo sua criticidade, para todos os produtos de uma mesma área produtiva.

2º Escolha da rota mais crítica

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Aqui entra outro detalhe importante, começamos a validar a rota mais crítica (do pior caso) para depois fazer os demais equipamentos de acordo com o 2º, 3º e  pior caso, até que todos os equipamentos sejam contemplados.

3º Planejamento

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Faça  o planejamento junto com o PCP para que tenha o mesmo número de lotes em campanha para que consiga fazer o acompanhamento e as amostragens em triplicata.

Caso queira validar 10 lotes para produção em batelada, vai precisar no total de 30 lotes do produto mais crítico.

Por isso é que o mais crítico precisa ter histórico de campanha. Entendeu?

4º Determinação dos tempos de sujos entre lotes

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Não basta avaliar o tempo total da campanha, precisa avaliar o tempo de parada entre os lotes.

Estes tempos devem ser inseridos no relatório, e ao término, deve ser definido tanto o tempo máximo de parada entre os lotes quanto o tempo total de duração da campanha.

5º Amostragem lote a lote

Faça a amostragem em cada um dos equipamentos selecionados como mais crítico após a produção de cada lote, ou amostre uma quantidade de produto para análise, caso não seja possível amostrar o residual diretamente do equipamento.

Nesta fase, esqueça o visualmente limpo. Não precisa. Os equipamentos estarão sujos mesmo.

E muito menos se há residual, pois vai ter e é justamente este residual que você deve recolher. Utilize uma espátula, ou até mesmo um pincel (devidamente limpos e sanitizados) para auxiliar na remoção.

Deste residual avalie:

  • Umidade, se aplicável
  • Presença de produto de degradação
  • Micro

A amostragem deve ser feita nos pontos críticos de cada um dos equipamentos a cada término de lote.

No final do último lote amostre os residuais novamente e proceda com a limpeza.

Importante ressaltar a necessidade de colocar o último lote em estabilidade para garantir a qualidade do produto.

Depois de limpo, a amostragem deve ser feita novamente em todos os pontos críticos de cada equipamento e deve ser avaliado:

  • Visualmente limpo
  • Presença de produto de degradação, se aplicável
  • Micro
  • Residual do ativo – limite deve ser calculado
  • Residual do detergente – limite deve ser calculado

Nesta última amostragem proceda exatamente conforme a validação de limpeza tradicional. Utilize para tanto uma área de amostragem de 25 cm2 com o auxílio de um swab com técnica de recuperação devidamente validada.

6º Determinação do tempo de sujo total dos equipamentos

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Você pode aproveitar a validação de lotes em campanha para realizar a validação do tempo de sujo.

Como já vai avaliar os tempos de parada entre os lotes dos equipamentos sujos, leve isso em consideração, além de sujeitar que o equipamento permaneça sujo após o último lote dentro do tempo de sujo que queira validar. Como produziu a campanha, este será o seu pior cenário de sujo, por isso vale a pena validar ao mesmo tempo.

A questão é a repetição em triplicata do tempo de sujo para as 3 campanhas, além das amostragens intermediárias entre o término da campanha até a limpeza. Isso garantirá um tempo mínimo de sujo caso um resultado sai fora da especificação até que aconteça a limpeza completa.

7º Cuidado com o produto anterior à campanha

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Agora, para que tudo isso dê certo, precisa de alguns cuidados, e um deles é a preocupação com o produto anterior ao início da campanha.

Este não pode, em hipótese alguma, ser um antibiótico (ex: Azitromicina). Isso porque eventuais resíduos de antibióticos nos equipamentos em estudo podem inibir o crescimento microbiano dando um falso resultado negativo no estudo da campanha. Fica a dica. ; )

Documentação necessária

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Como todo estudo de validação, você precisará dos seguintes documentos:

  • PMV
  • POP ou Plano de Validação de limpeza contemplando a campanha com as diretrizes do estudo
  • Análise de risco do estudo em campanha (FMEA ou FMECA)
  • Matriz de pior caso para a escolha do produto mais crítico (diferente do pior caso tradicional)
  • Protocolo
  • Cálculos do residual do ativo após a limpeza
  • Cálculos do residual do detergente após a limpeza
  • Resultado das amostras de todos os lotes das 3 campanhas, sendo de todos os pontos críticos dos equipamentos – É MUITA AMOSTRA!!!
  • Resultado dos estudos de estabilidade
  • Relatório de validação

Vantagens

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Apesar de extremamente complexo, e inicialmente caro devido ao grande número de análises, o estudo traz vários benefícios para a empresa:

  • Aumento da produtividade
  • Diminuição do tempo de set up (limpeza)
  • Redução dos gastos com água, produtos de limpeza e energia
  • Redução da hora extra, principalmente aos finais de semana
  • Redução do tempo de máquina parada
  • Cumprimento de metas produtivas da empresa
  • Maior flexibilidade para a produção
  • Qualidade assegurada dos produtos produzidos em campanha

Infográfico da Validação de Lotes em Campanha

E nada como ilustração para facilitar a compreensão. E neste sentido elaborei um infográfico exclusivo para lhe ajudar no estudo:

validacao-de-lotes-em-campanha-farmaceuticas-menor

E como brinde, faça o download do infográfico gratuitamente clicando aqui: validacao-de-lotes-em-campanha-farmaceuticas validacao-de-lotes-em-campanha-farmaceuticas-download

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E se quiser saber um pouco mais sobre a forma correta do estudo, venha fazer o curso de validação de limpeza conosco.

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Segue o link da programação completa e da inscrição:

Validação de Limpeza – Online

Consultoria Farmacêuticas

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Fernanda de Oliveira Bidóia

Diretora Técnica

contato@farmaceuticas.com.br

Telefones:

Comercial + 55 11 3392 2424

End: Av. Marquês de São Vicente, 446 cjs 917A e B

São Paulo – SP

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Fontes 

  • LeBlanc – Memos
  • FDA
  • RDC 658/2022
  • IN 138/2022
  • RDC 654/2022
  • Desenvolvimento interno da Consultoria Farmacêuticas

Artigo atualizado em 22/11/2023.

2 COMENTÁRIOS

  1. Olá Fernanda, parabéns pelo site e pelo trabalho.
    Tenho uma tarefa para fazer com algumas perguntas. Será que você me poderia ajudar com alguma delas?

    Em uma fábrica de produtos farmacêuticos que se dedica a vários produtos. A cada certo período são fabricados na seção de sólidos não estéreis na forma de campanhas vários lotes do mesmo produto e foi definido que a limpeza deve ser comum, pois são do mesmo produto.
    a.1 É necessário validar o processo de limpeza do equipamento?

    a.2 Apoie sua resposta

    Em uma auditoria de uma empresa fabricante de produtos de injeção, foram observadas velocidades de inspeção visual que não correspondiam àquelas estabelecidas no SOP e distrações visuais dos trabalhadores encarregados das tarefas de inspeção. A resposta da empresa indicou que a reciclagem dos funcionários seria realizada. Posteriormente, as autoridades objetaram que era necessário incluir um detalhe de como a eficácia da ação corretiva seria verificada e a supervisão e métricas para monitorar as melhorias necessárias. Por sua vez, a empresa insiste em que a equipe é qualificada e o processo de validação é validado, e é por isso que é necessário reciclar apenas.
    b.1 Você concorda com os auditores ou com a empresa?

    Um fabricante de vários produtos decide enviar sua nova linha de antibióticos beta-lactâmicos para ser montada em uma fábrica especializada que tem GMP. No entanto, decide realizar o condicionamento (montagem e rotulagem) dos blisters em sua própria planta, reduzindo assim os custos. Um inspetor da empresa questiona isso por causa do perigo de contaminação cruzada. A empresa afirma que não existe, porque os produtos já estão embalados em sua embalagem primária, portanto não há perigo.

    c.1 Concorda com o inspetor ou com a empresa?

    Muito obrigada

    • Olá, Andiale!

      Vamos às repostas de seus questionamentos:

      a.1 É necessário validar o processo de limpeza do equipamento?
      O que você chamaria de limpeza comum? Seria uma espécie de limpeza parcial porque se trata dos lotes de um mesmo produto?
      De qualquer maneira, sendo uma limpeza parcial ou completa, elas devem ser validadas por equipamento, obrigatoriamente. Além disso, deve ser validado o número máximo de lotes em campanha.

      a.2 Apoie sua resposta
      RDC 17/2010 – ANVISA:
      Art. 256. A ocorrência de contaminação cruzada deve ser evitada por meio de técnicas apropriadas ou de medidas
      organizacionais, tais como:

      II – produção em campanha (separação por tempo) seguida por limpeza apropriada de acordo com um procedimento validado.

      Art. 442. Nas áreas utilizadas para a produção de produtos em campanha, o desenho e a disposição das instalações e
      equipamentos devem permitir limpeza e sanitização efetivas após a produção e, quando necessário, descontaminação por meio de
      esterilização e/ou fumigação. Todos os processos utilizados devem ser validados.

      Pergunta b.1: Você concorda com os auditores ou com a empresa?
      Concordo com a auitoria. Precisa realizar um treinamento específico para os colaboradores, ter registro de treinamento, certificado emitido, além de revalidar o processo de inspeção visual.

      Pergunta c.1: Concorda com o inspetor ou com a empresa?
      Concordo com o inspetor. Há risco sim de contaminacão cruzada. Este processo de embalagem deve ser no mínimo validado, além da necessidade do estudo de holding time decorrente do transporte de medicamentos entre as empresas.

      Espero ter ajudado, mas se tiver qualquer dúvida estarei à disposição.
      Abs

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