Ao longo de 2 anos acompanhando diversas indústrias de cosméticos e saneantes em todo país tentando implementar as validações para atendimento das RDCs nº 48/13 e nº 47/13 respectivamente, cheguei a 11 motivos básicos que impedem a realização de qualquer estudo.
Os erros vão desde de falta de conceito, falta de estrutura, sem falar nos problemas ligados às instalações, e até mesmo analíticos.
A lista contendo os pontos de maior impacto está logo abaixo:
Os principais erros cometidos pelas indústrias que impedem a realização da Validação de Limpeza:
1. Falta de BPF
O primeiro passo antes de pensar em validação é a implantação correta das Boas Práticas de Fabricação.
Sem um ambiente limpo, controlado, com paramentação exclusiva, não há a possibilidade de iniciar o estudo.
Visto que tudo pode levar o erro na validação, a questão da sujeira existente decorrente de instalações incorretas, é o fator que mais contribui para a impossibilidade da realização do estudo.
Principais erros ligados a BPF:
- Portas abertas durante a produção;
- Presença de janelas, e abertas;
- Entrada de empilhadeira do depósito para a área produtiva;
- Luminárias não embutidas;
- Azulejos na parede;
- Presença de pia dentro da área produtiva;
- Presença de objetos de papelão e madeira dentro da área manipulação;
- Layout que permite a entrada de pessoas sem paramentação correta (ausência de vestiário);
- Presença de insetos, pombas e roedores nas áreas produtivas e nos depósitos (parece exagero, mas infelizmente é bem comum)
- Falta de paredes, tetos e pisos regulares (sem rejunte), com cantos arredondados e que permitam a limpeza.
Resumindo, enquanto não implantar de fato as Boas Práticas de Fabricação esquece a validação.
2. Falta de paramentação correta/exclusiva e falta de higiene
Este é outro ponto de grande conflito: Conscientizar os colaboradores, e até mesmo alguns donos de empresas, do uso exclusivo de uniformes dentro da área produtiva.
Durante as minhas visitas Brasil a fora já vi de tudo, dá uma olhada nos pontos mais impactantes:
- Pessoas que trabalham com a roupa de casa: então está tudo bem pegar ônibus, metrô, levar um banho de água de enxurrada e depois produzir com a mesma roupa. Algo nada higiênico, mas bem comum.
- Sair da área produtiva com o uniforme;
- Vestir camiseta, sapato e calças de casa na produção;
- Utilizar aventais de manga curta;
- Não utilizar máscara;
- Não lavar as mãos: aí entra na questão da falta de higiene, mas é outro fato real;
- Não utilizar luvas;
- Utilizar, brincos, anéis, e acessórios diversos, até boné, pasmem!
- Levar o uniforme para lavar em casa.
Este é um dos grandes absurdos, mas super comum em algumas empresas. Estas para reduzir custo obrigam os colaboradores a lavar seus uniformes em casa. Algo que vai totalmente de contra à BPF, o que torna os processos de limpeza invalidáveis.
PS: Por favor, o banco do pulo para a troca do uniforme E PARA CALÇAR O SAPATO DE SEGURANÇA é imprescindível!
3. Ausência de testes no princípio ativo
Um dos grandes gaps das áreas de saneantes e, principalmente de cosméticos, é o fato de ninguém fazer qualquer pesquisa sobre o ativo!
Simplesmente confiam no fabricante, e aceitam o laudo de análise deste. Aí, se eles fossem para a China (como de fato deveriam) para ver como são as coisas…
Não fazem qualquer teste de identificação ou quantificação do teor do ativo, tanto na matéria-prima quanto no produto final. Indo totalmente de contra às RDCs.
Aí você paga por um anti-rugas caríssimo prometendo milagres, e a empresa não tem a coragem de saber se o ativo revolucionário que promete o super efeito lifting é aquele mesmo!!!
Então como saber se uma vitamina C não é um ácido sulfúrico se ninguém testar?!?
E aí vem a RDC e te pede para fazer a validação de limpeza. Explique-me como????
Como não há qualquer metodologia para o ativo, muito menos validada, como detectar traços da molécula mais crítica no produto subsequente em ppm?
[quote_center]Anvisa, explica essa por favor!!![/quote_center]
4. Falta de estrutura laboratorial
Essa é uma complementação ao item anterior: se não há estruturas laboratoriais, tanto físico-química quanto microbiológica, como testar os residuais da validação de limpeza determinados em cálculos super complexos?
Para tanto, seriam necessários, além de toda a estrutura do laboratório micro, os seguintes equipamentos FQ:
- TOC
- Espectrofotômetro
- Karl Fischer (titulador)
- Balança analítica
- Fluxo laminar
- NIRS (seria fantástico!)
- HPLC
Sem falar em toda metodologia validada segundo os requisitos da RE 899/03 – ANVISA, e analistas em número suficiente e devidamente qualificados.
E não podemos esquecer a calibração e qualificação dos equipamentos e softwares, quando aplicado, pois somente equipamentos confiáveis podem quantificar com precisão e exatidão as amostras de validação de limpeza.
Algumas empresas por não querem investir submetem as amostras para análise em laboratórios terceiros. Mas aí temos outros problemas. São eles:
- Metodologia não validada
- Falta de estabilidade da amostra, pois ela deve ter o período de estabilidade respeitado, de acordo com a validação analítica. Em laboratório terceiro, dificilmente vão respeitar o prazo de validade da amostra.
- Analistas que farão a amostragem devem ser treinados pela equipe de laboratório para testar a técnica de recuperação do swab, tanto micro quanto físico-químico. Caso o analista não seja qualificado, ele não estará apto para executar as amostragens.
Resumindo: sem estrutura laboratorial esquece validação.
6. Falta de pessoas qualificadas
O que mais vejo são empresas com apenas um único analista responsável pela validação. E como diz o ditado: “uma andorinha sozinha não faz verão”.
É IMPOSSÍVEL apenas um analista fazer a validação de toda empresa. No mínimo 5 pessoas dedicadas aos estudos para se pensar em validação.
Sendo assim, caso a empresa queira de fato iniciar as validações, prepare um bom budget e inicie os processos seletivos para ontem.
Também podem contratar uma boa consultoria. Cá entre nós, poderemos lhe ajudar neste sentido ; )
7. Esqueceram o detergente
Também é um erro muito comum, tanto as empresas que querem validar utilizando os detergentes adquiridos em mercados, aqueles de lavar louça, quanto não levarem o agente de limpeza em consideração no estudo.
Na validação de limpeza você deve, obrigatoriamente, pesquisar:
- Residual do ativo mais crítico (definido por meio da análise de risco) – cálculo
- Limite microbiano e ausência de patógenos – cálculo ou especificação farmacopeica
- Residual do detergente – cálculo
- Residual do produto de degradação – quando há aminas na formulação
Sem a padronização do agente de limpeza, sem a validação da metodologia para o detergente, e sem a sua pesquisa não há validação. Simples assim.
8. Falta de validação analítica
Esta também é uma complementação de tudo que já dissemos até agora.
[quote_center]Todos os métodos analíticos, obrigatoriamente, devem estar validados, antes do início da validação de limpeza. É pré-requisito.[/quote_center]
Sendo assim, deve ser validado:
- Ativo mais crítico por equipamento
- Agentes de limpeza
- Recuperação de colônias (micro)
Não importa se a metodologia esteja descrita em alguma farmacopeia, para a validação de limpeza, a metodologia, mesmo farmacopeica, deve ser covalidada.
Isso porque você deve verificar no seu método:
- Limite de Quantificação (LQ)
- Limite de Detecção (LD)
- Precisão
- Exatidão
- Linearidade
- Fator de recuperação
- Especificidade e Seletividade
- Intervalo
- Robustez
Ainda segundo a Resolução 899/03 da ANVISA:
“Para a garantia da qualidade analítica dos resultados, todos os equipamentos utilizados na validação devem estar devidamente calibrados e os analistas devem ser qualificados e adequadamente treinados”
Além disso, somente poderá amostrar com o swab validado. Caso não tenha validado os métodos, como saber qual swab deverá utilizar?
Acho que não preciso falar mais nada…
9. Falta de documentação de validação de limpeza
Vejo o pessoal começar a coletar as amostras sem ao menos terem todas as documentações prontas e devidamente aprovadas.
Isso sem falar em todos os levantamentos obrigatórios.
Todos os documentos e levantamentos de validação de limpeza listados abaixo são obrigatórios:
- PMV
- Plano de limpeza – contendo os critérios para a escolha do produto mais crítico, todos os cálculos utilizados para determinação dos limites e técnicas de amostragem
- Procedimentos de limpeza atualizados e com parâmetros de limpeza definidos, incluindo ciclos de enxágue
- Matriz de produtos x equipamento – para 100% dos equipamentos
- Avaliação da dificuldade de limpeza
- Cálculo das áreas de superfície interna de todos os equipamentos produtivos
- Rota produtiva padronizada de cada produto
- Tamanho de lote definido e padronizado
- Tamanho da rota produtiva – calculada em cm2
- Pesquisa da DL50 de todos os ativos
- Pesquisa da alergenicidade de todos os ativos
- Análise de risco para cada equipamento
- Cálculo dos limites de residuais de ativo por equipamento (amostragem direta e rinsagem)
- Cálculos dos residuais dos agentes de limpeza
- Cálculos ou levantamento dos limites microbianos
- Validação analítica dos ativos críticos
- Validação analítica dos detergentes
- Validação micro
- Protocolos por equipamento
- Escolha dos pontos mais críticos
- Formulário de visualmente limpo
- Formulário de amostragem
Caso tenha tudo isso pronto, aí sim pode começar a planejar seus acompanhamentos e amostragens. Mas se não tiver, ainda terá muitoooo documento para elaborar antes de iniciar o estudo.
Só nessa etapa, se tiver umas 5 pessoas dedicadas é provável que leve de 4 a 5 meses para concluir os levantamentos e documentos. Com sorte!
10. O ato de passar o Swab não é validação de limpeza
No caso da validação de limpeza em específico, a maioria começa a “swabar” equipamentos sem qualquer critério achando que apenas uma avaliação micro é o suficiente para determinar um equipamento como “validado”.
Mas isso não é validar. Esquece!
Como afirmei nos itens acima, o processo de validação é complexo e requer tempo, estrutura e mão-de-obra qualificada.
Sem falar na avaliação do residual do ativo, detergente, etc…
Caso ainda não tenha concluído as etapas anteriores, mas já começou a amostrar, esquece tudo e reinicie do zero.
11.TOC não
O TOC é um dos métodos favoritos, ou de primeira escolha, para as indústrias que estão iniciando o estudo. No entanto, ele [quote_center]NÃO PODE SER UTILIZADO POR SER INESPECÍFICO.[/quote_center]
É justamente por não permitir a identificação do residual encontrado, que ele é apenas utilizado como método de monitoramento do estudo.
Alguns que se dizem “profissionais em validação” argumentam que é aceito desde que o limite detectado seja inferior a 500 ppb (partes por bilhão), por ser esta a especificação da água purificada, mas a tese cai por terra quando encontramos limites de cálculos menores que os 500 ppb, como é o caso de hormônios (microdosagem) ou de produtos mais críticos com rota produtiva extensa (grande área de superfície interna de equipamentos em contato com o produto). Isso porque grandes áreas de rotas diminuem o limite, conforme etapa L2 do cálculo de Leblanc. Neste caso, o limite será muito pequeno e bem inferior à especificação da água PW.
Há pouco tempo, por meio de cálculos, cheguei em um limite de 7,8 ppb para um cliente. E aí, caro colega, como fica a sua justificativa para a teoria de 500 ppb?!?Definitivamente, não dá.
Sendo assim, utilize um método que consiga identificar e quantificar o seu resíduo, como é o caso do HPLC, ou no mínimo, o espectrofotômetro.
PS: o mesmo vale para substâncias oxidáveis…
Conclusão
Acho que apresentei todos os motivos pelos quais as as indústrias de cosméticos e saneantes não conseguem validar.
Há muita gente no mercado falando bobagem, inclusive Conselhos de classe que não sabem o que é validação, ao afirmar que apenas o ato de “swabar” ou um simples monitoramento pode ser considerado como validação de limpeza. Mas isso está completamente errado.
Não existe uma validação para a área de cosméticos e outra para a área farmacêutica. Validação é validação, e seguimos os moldes internacionais, adaptados pela ANVISA, para a condução dos estudos.
Caso alguém, ou alguma empresa, disser algo diferente do exposto acima, desconfie…
Sendo assim, ou as empresas se conscientizam sobre a complexidade do estudo e estruturem as empresas, ou muito em breve veremos tanto o recolhimento, quanto a interdição, ou até mesmo o fechamento de muitas empresas no Brasil.
E tudo indica que é isso que vai acontecer, visto a exigência na qualidade dos produtos que necessitam de comprovação efetiva (validação).
Algo semelhante aconteceu com as indústrias farmacêuticas no final da década de noventa, e com esses segmentos de mercado não será diferente. Basta acompanhar o site da ANVISA para atestar o que estou falando. Então, fiquem atentos e comecem logo seus estudos nos moldes preconizados pela Agência.
E é lógico, precisando de ajuda, conte com a Consultoria Farmacêuticas.
Dúvidas, Informações e Consultoria
Para dúvidas, informações e solicitações de orçamento para serviços de consultoria em validação, envie um e-mail para:
contato@farmacêuticas.com.br
ou entre em contato com
Consultoria Farmacêuticas
Fernanda de Oliveira Bidóia
Diretora Técnica
Telefones:
Comercial + 55 11 3392 2424
Celular: + 55 11 992961326
End: Av. Marquês de São Vicente, 446 cj 1102
São Paulo – SP
Curso de Validação de Limpeza
Caso necessite de aprimoramento ou queira se aprofundar nas técnicas e tipos diferentes do estudo, faça o Curso online de Validação de Limpeza.
Elaborado por profissional com mais de 16 anos de experiência na atividade, o curso traz técnicas, critérios, cálculos e sistemáticas atuais utilizadas internacionalmente, e que também atendem às Normas da ANVISA.
Confira!!!
https://cursosfarmaceuticas.com.br/produto/curso-de-validacao-de-limpeza/
Gostou? Compartilha o post com os seus amigos.
Referências:
FDA, “Guide to Inspections of Validation of Cleaning Processes”
PDA, Cleaning Validation
D.A. LeBlanc
Guias da Qualidade – ANVISA – 2006
RDC nº 48/13
RDC nº 47/13