Brasil comprou medicamentos superfaturados de Cuba por 12 anos

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Segundo o TCU, o Brasil comprou medicamentos superfaturados de Cuba por 12 anos.

Não creio que a função deste Portal de notícias da área farmacêutica deva ser destinado à política, mas diante da gravidade do fato, é fundamental que os profissionais da saúde que nos acompanham, e à população em geral, tenha consciência  do tamanho da corrupção que foi instalada no nosso país nos últimos anos. A área da saúde, o mercado farmacêutico, e principalmente o povo brasileiro, foram grandes vítimas deste processo torpe.
Diante da acusação de superfaturamento, trouxemos os apontamentos do TCU e os respectivos esclarecimentos do Instituto Bio-Manguinhos/Fiocruz.
Sendo assim, vamos aos fatos:

 Aquisição do medicamento alfaepoetina de Cuba

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Segundo matéria puplicada na Folha de São Paulo, na coluna do Reynaldo Turollo Jr., um acordo entre Brasil e Cuba para aquisição e posterior produção de alfaepoetina, substância indicada para tratar pessoas com problema renal crônico, fez com que o Ministério da Saúde comprasse ao longo dos últimos 12 anos o medicamento superfaturados, conforme apontou a área técnica da própria pasta.
O caso gerou uma contenda entre o Ministério da Saúde e o instituto Bio-Manguinhos/Fiocruz, vinculado à pasta, e foi parar no TCU (Tribunal de Contas da União). No centro da polêmica, repleta de informações conflitantes, está a questão da transferência de tecnologia de Cuba para o Brasil, prevista desde o primeiro governo Lula (2003).
Segundo afirmações da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do ministério ao TCU “Após 14 anos da formalização do Termo de Cooperação [Brasil-Cuba], Bio-Manguinhos apenas realiza o envasamento dos produtos importados de Cuba, sem nenhuma demonstração de transferência de tecnologia.Resta claro o superfaturamento de preços por parte de Bio-Manguinhos/Fiocruz ao longo dos anos.”. Estas afirmações foram obtidas pela Folha de S. Paulo por meio de documento do TCU de 16 de fevereiro.
Em nota à Folha de S. Paulo, o Instituto rebateu o ministério: “A transferência de tecnologia já se completou. O que se aguarda neste momento é o término da validação das instalações da planta industrial, uma exigência regulatória da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para que a tecnologia de produção do IFA (ingrediente farmacêutico ativo) possa ser implementada”, afirmou.

Constatação da compra de medicamentos superfaturados de Cuba 

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Em 2016, depois de anos do contrato firmado com Cuba pelos governos petistas, o governo de Michel Temer (PMDB) decidiu comprar o medicamento no mercado privado. Em licitação em novembro passado, o frasco da alfaepoetina de 4.000 UI (o tipo mais comprado, que respondeu por 91% da demanda) saiu por R$ 11,50.
Na ocasião, venceram o pregão as farmacêuticas Blau (que importa o insumo ativo e o envasa no Brasil) e Chron Epigen (que importa o medicamento pronto), para suprir 75% e 25% da demanda, respectivamente.
O valor obtido na recente licitação foi inferior ao preço unitário pago pelo medicamento vindo de Cuba desde o início do acordo, que começou em R$ 16,81 em 2005 e subiu para R$ 23,86 em 2016 e 2017 (em valores não atualizados).
Um estudo interno realizado pelo ministério mostrou que era possível encontrar o mesmo frasco no mercado em 2005 por R$ 5,85.
De 2005 a 2017, o Ministério da Saúde pagou R$ 1,85 bilhão para adquirir 102,1 milhões de frascos de alfaepoetina (de 4.000 UI). Em um cálculo simples e conservador, caso tivesse pago os R$ 11,50 obtidos na licitação, teria gasto no mínimo R$ 680 milhões a menos.
A Bio-Manguinhos contestou esses dados e afirmou que o ministério pagava R$ 91,13 pelo frasco em 2005. A Folha de S. Paulo voltou a questionar a pasta, que informou que não tem registro do valor citado pelo instituto. “As compras de alfaepoetina localizadas pelo ministério em 2005 se referem a demandas judiciais de um total de 30 frascos na apresentação de 4.000 UI, no valor de R$ 76,33”, afirmou. Quanto menor o número de frascos comprados, maior o preço.
A reportagem também questionou a Bio-Manguinhos quanto do valor era destinado para Cuba. Em responta o Instituto informou que “Os preços unitários pagos a Cuba não podem ser divulgados por força de cláusula de confidencialidade do contrato de transferência de tecnologia”.

Transferência de tecnologia

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Especialistas consultados, um do setor público e outro do privado, disseram ser aceitável pagar mais caro por um medicamento por um determinado prazo quando se tem a perspectiva de passar a produzi-lo por um preço mais baixo mediante transferência de tecnologia.
O Ministério da Saúde considera que esse prazo se esgotou. Segundo a pasta, a transferência acertada com Cuba, no contrato entre Bio-Manguinhos/Fiocruz e o Centro de Inmunologia Molecular cubano, previa três etapas que deviam ter sido encerradas em 2007.
“Ocorre que, passados 11 anos da data prevista para a finalização da última etapa, Bio-Manguinhos realiza até o momento o envase, a embalagem e o controle de qualidade do produto, permanecendo estagnado na 1ª etapa do plano de trabalho”, disse o ministério ao TCU.
A pasta apontou ainda que os preços praticados por Bio-Manguinhos/Fiocruz foram subindo ao longo dos anos, quando deveria ter ocorrido o contrário, à medida que a tecnologia fosse sendo compartilhada. Após a licitação de novembro, Bio-Manguinhos enviou ofício ao ministério oferecendo o frasco por R$ 11,49, um centavo a menos do que o preço obtido no pregão.
Até aquele momento, o instituto cobrava R$ 23,86 pela unidade. Ao TCU o ministério afirmou que “causa estranheza a drástica redução dos preços” e acusou o instituto de “litigância de má-fé”, com objetivo de garantir o monopólio da venda do medicamento ao governo federal.
Sob a relatoria do ministro Augusto Nardes, o TCU deu ganho a Bio-Manguinhos/Fiocruz no ano passado, ao analisar licitação anterior à de novembro que acabou suspensa. Nardes considerou, entre outros fatores, que interromper as compras do instituto causaria um descarte dos medicamentos que já estavam no estoque, e autorizou o ministério a adquirir de empresas privadas só o que Bio-Manguinhos não conseguisse suprir.
O Ministério da Saúde e a farmacêutica Blau recorreram. O TCU iniciaria o  julgamento de um dos processos referentes ao tema ainda no dia 7/03.
Para quem atua na índústria farmacêutica sabe que o processo de transferência de tecnologia é complexo, envolve diversas etapas, estudos científicos e profissionais qualificados, e  pode demorar meses, até um pouco mais de uma ano,  mas  12 anos, …, é preciso entender melhor:

Declarações da Bio-Manguinhos/Fiocruz

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Segundo nota divulgada pelo Instituto Bio-Manguinhos/Fiocruz a informação de que a transferência de tecnologia não ocorreu não procede, e informou datas diferentes das declaradas pelo Ministério da Saúde para o início da produção no Brasil.
“O contrato [com Cuba] foi assinado em 2005 e previa um acordo de quatro anos, renováveis por mais quatro [até 2013, portanto]. […] Vale ressaltar que no projeto original da transferência estava prevista a produção de 2 milhões de frascos/ano. Ao longo dos primeiros anos a demanda aumentou significativamente, passando para cerca de 12 milhões de frascos/ano, demandando um redimensionamento dos equipamentos e instalações de produção”, afirmou.
“O prédio [da fábrica] foi inaugurado em fins de 2016 e encontra-se em fase de pré-operação.” Sobre a repentina diminuição no valor do seu medicamento, oferecida ao Ministério da Saúde após a licitação de novembro, o instituto disse que ela foi possível porque foi feito acordo com a pasta para retirar do preço o custo da nova fábrica e obter financiamento em separado para essa operação.
“Adicionalmente, negociações recentes com a empresa cubana permitiram redução no preço pago na aquisição do ingrediente”, informou. Segundo Bio-Manguinhos, o laboratório cubano é referência e fornece também para outros países.
“É preciso considerar que esta parceria não deve ser vista apenas sob a ótica do menor preço no curto prazo. A absorção da tecnologia propiciará domínio tecnológico para aplicação em novas tecnologias, além de garantia de fornecimento permanente aos programas do ministério”, afirmou.
O Ministério da Saúde disse, também em nota, que, apesar de interromper a compra de alfaepoetina de Cuba, ainda investe na conclusão do processo de transferência tecnológica. “Até 2019, serão investidos R$ 50 milhões na fábrica. A intenção é voltar a adquirir a medicação junto à Fiocruz assim que a obra do Centro Henrique Pena [nova fábrica] estiver finalizada, homologada pela Anvisa e apta para a completa produção do fármaco.”

Fonte

Reynaldo Turollo Jr. – Folha de S. Paulo – 07/03/2018

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